Entrevista a Rosa Agonia Costa Lima ( 97 anos)

Histórias de vida e Pessoas
Património Cultural
Sítios e lugares

Entrevista a Rosa da Agonia da Costa Lima – meixedo- recolhida por Catarina Castro

 

1. IDENTIFICAÇÃO
Nome – Rosa da Agonia da Costa Lima.
Local de nascimento – Devesa – Lanheses
Data de nascimento- 1 de Setembro de 1915
Nome do pai – José Estevão da Costa
Nome da mãe- Maria das Dores de Barros Lima
Avô Paterno – Franscisco Dias da Costa
Avó Paterna –
Avô Materno- José de Sousa Lima
Avó materna –
Origem do Nome da Família – A família é conhecida por família da Pedra.
De onde vieram os avós – eram de Lanheses
De onde vieram os pais – eram de Lanheses
Irmãos – 6
Irmãs – 3 ( duas morreram crianças )
2- ORIGEM / CASA
Descrição da casa de infância – a casa era de pedra grossa . Tinham dois pisos. O
rés – do – chão onde havia uma cozinha toda de pedra com uma grande lareira e
com dois fornos de cozer o pão. Para essa cozinha entrava-se por um pátio de pedra
coberto por um telheiro . à entrada da cozinha tinha três degraus. Da cozinha havia
uma porta para a corte das vacas onde de manhã se ia tirar o leite.
No primeiro andar tinha quatro quartos e duas salas . De dentro subia-se para o
primeiro andar por umas escadas de madeira. Por fora por umas escadas de pedra.
Por baixo dos quartos havia uma grande « loja » ( = adega) onde existia um lagar,
uma prensa, pipas de vinho e a salgadeira onde se guardavam as carnes de porco
depois da matança.
Na cozinha havia uma « Dala»( = lava-loiça) todo em pedra, um louceiro, uma
«masseira»( local onde se massava o pão e que por baixo tinha um armário para
guardar a comida), um fumeiro colocado na chaminé.
Na sala havia um tear que servia para nós tecermos os nossos lençóis e linho e
estopa para a roupa interior e para toalhas. Alguns quartos tinham a porta virada
para as salas. À volta do tecto da sala que era de madeira trabalhada havia uma calha
em madeira onde se punham as maçãs que se colhiam a amadurecer e que depois se
comiam ao longo do ano. As maçãs serviam também para perfumar a sala. O soalho
era de madeira e era lavado com sabão amarelo e uma escova grossa para não
apanhar bicho.
Quem morava em casa – a mãe, o pai, os irmãos e os criados
Como eram divididas as tarefas – Os irmãos iam com o gado para o monte,
trabalhavam na lavoura e roçavam mato; O pai trabalhava na lavoura ; a mãe
tratava da casa e ajudava na lavoura. Os criados ajudavam na lavoura.
Momentos mais marcantes na família – os serões em família à roda da lareira a
fiar , a tecer e a rezar, as matanças dos porcos, o Natal, a Páscoa e o dia da festa da
aldeia.
Quando havia sachadas de milho , malhadas de espigas ou de centeio, colheitas,
desfolhadas ou roçadas de mato os vizinhos ajudavam-se e esses momentos eram de
muita alegria. A mocidade era muito alegre e os rapazes cantavam , dançavam ,
tocavam harmónico e concertinas.
Onde ficava a casa – No meio de uma quinta situada em Lanheses, no lugar da
Dubesa ( = Devesa )
Gostava da casa – gostava muito.
3- ORIGEM / FAMÍLIA / HISTÒRIAS DE INFÂNCIA E JUVENTUDE
Actividade dos seus pais –
Pai- era lavrador
Mãe- era doméstica e trabalhava no campo
Quotidiano em casa
Quem tinha mais autoridade na família – o pai nos assuntos de dinheiro, mas em
casa quem geria a vida era a mãe.
Como era o pai – homem alto, magro, moreno, olhos pretos …
Como era a Mãe – Cabelo preto, alta , magra, olhos pretos…
Com qual se relacionava melhor – As raparigas relacionavam-se sempre mais com
as mães que estavam mais tempo em casa. Ao pai tinha-se mais respeito. Mas
ambos eram nossos amigos.
Descrição dos irmãos – Os rapazes tinham o « sangue quente » e gostavam de
mostrar a sua força . Faziam-se respeitar e não tinham medo de ninguém. Eram
trabalhadores e namoradeiros. Eram considerados « bons partidos». Da única irmã
que me lembro bem era da Noémia. Era uma mulher de «armas», forte como um
homem, sem medo de nada . Ficou solteira porque não queria ser mandada por
homem. Não gostava do trabalho de casa e preferia ir para o campo e para o monte
trabalhar. Eu era responsável pela casa enquanto solteira e ela dizia que o trabalho
de casa era para gente preguiçosa e que quem estava a cuidar da casa trabalhava
pouco.
Como era a relação com os irmãos- os nossos irmãos rapazes eram muito nossos
amigos e mandavam em nós pois não nos deixavam sair sozinhas para nenhum lado.
Quando éramos moços e eles começaram a ganhar dinheiro, de vez em quando
traziam –nos uns lenços da cabeça que ninguém tinha iguais ou um xaile. Esta
amizade durou enquanto cada um viveu, mesmo estando três deles no Brasil desde
jovens até morrerem e um na Venezuela. Eles nunca se esqueceram da casa da mãe
e sempre que podiam mandavam dinheiro para ajudar a minha irmã solteira que
ficou em casa . Um dos irmãos que viveu sempre em Lanheses era um bocado mais
invejoso que os outros e nunca se deu tão bem com os outro .
Membros da família com quem conviveu – Convivia com a família que morava
em Lanheses e às vezes com uma tia que morava em Santa Marta de Portuzelo.
Em relação à família mais chegada convivi pouco com alguns dos meus irmãos porque
três emigraram para o Brasil. O mais velho, o António, tinha dezoito anos e só
regressou a 1ª vez a Portugal sessenta anos depois para duas pequenas visitas. Quando
ele partiu eu era menina pequena. Durante esse tempo nunca convivi com ele. Apenas
tínhamos contacto por cartas. Outro emigrou com vinte e três anos, o Adelino, e nunca
mais regressou. O outro, o José, tinha vinte e seis anos quando emigrou e também nunca
mais regressou. Morreram por lá os três . O João foi para a Venezuela aos 22 anos e
regressou com 54 anos . Durante esse tempo também nunca convivi com ele por estar
muito longe. Após o regresso só viveu mais três anos . Com outro dos irmãos, o
Francisco, não convivi muito durante a minha vida por zangas familiares. Com a minha
irmã Noémia que mora até hoje na casa dos nossos pais e com outro dos meus irmãos, o
Miguel que mora na cidade convivi sempre. A minha filha mais velha foi criada na
companhia da minha irmã a pedido da minha mãe.O meu irmão Miguel foi sempre o
apoio da família, sobretudo da minha irmã . Duas irmãs minhas morreram com nove e
onze anos com « pnemónica » . Nessa altura morreu muita gente. Quando elas
morreram eu era muito criança, ainda não andava na escola.
No Natal , na Páscoa, nas desfolhadas e nas matanças, os jovens da família e os vizinhos
conviviam todos a dançar e a cantar na eira.
4. ORIGEM / EDUCAÇÃO
Entrada na Escola – aos dez anos
Onde era a primeira escola- era em Lanheses, numa casa particular que pertencia a
um senhor abastado da freguesia ( Sr Tinoco)e que se situava no lugar do Romão, junto
ao rio da Seara.
Lembrança mais forte da escola- Que quando lá chegava já tinha andado a « olhar » (
= pastar) o gado e que a professora era cega de um olho. No recreio tinha um forno de
cozer telha que ainda hoje existe. Havia poucas raparigas e muitos rapazes.
Educação que recebeu- católica , rígida e com muitas regras. Em casa aprendia-se que
as raparigas « sérias» não podiam sair de casa sem a companhia das mães ou dos
irmãos. Não se podia entrar na igreja sem os braços cobertos , sem lenço na cabeça e
com os joelhos a ver-se. À noite rezava –se o terço e no fim tinha que se pedir a benção
ao pai e à mãe e às outras pessoas de idade que lá estivessem. Tinha que se pedir a
bênção ao sr. Padre sempre que se passava por ele e à madrinha e ao padrinho. Havia
muita educação e muito respeito pelos mais velhos. Os filhos eram educados para tratar
dos pais quando eles fossem velhinhos ou quando estivessem doentes.
Na escola rezava-se antes da aula começar e aprendia-se a ler, a escrever e a fazer
contas. Tinha que se ter muito respeito pelos homens do governo. Os rapazes e as
raparigas não estavam na mesma sala nem brincavam no mesmo recreio.
Até que idade andou na escola – Treze anos .
Como era ir para a escola todos os dias- Ir para a escola significava ver –me livre do
trabalho em casa e na lavoura . Antes de ir para a escola trabalhava-se alguma coisa ,
mas enquanto se estava lá descansava-se. A escola ficava longe de casa e íamos a pé
num rancho de raparigas se rapazes.
Educação religiosa- Sim. Fui educada na religião católica Rezava-se o terço em casa
todos os dias à noite. Andei na catequese e mais tarde fui catequista. Ia à missa todos os
Domingos de manhã e no mês de Maio também à semana. Todas as primeiras sextas
feiras íamos todos à missa. O Pai e a mãe obrigavam-nos a ir à missa. O padre era uma
autoridade muito respeitada. Todos os anos se pagava a « premissa» ao padre e cada
casa pagava conforme os bens que tivesse. Pagava-se em coisas e não em dinheiro ( por
exemplo em rasas de milho …). Na Páscoa dava-se o « folar » ao padre que era também
pago em coisas e não em dinheiro. Na nossa casa sempre se pagou para o padre poder
viver.
Brincadeiras preferidas : , cabra-cega, lencinho, jogo do botão, escondidinhas. Brincar
com bonecas feitas de cabacinhas ( abóboras) pequenas.
5. TRANSIÇÃO / FAMÍLIA
Saída de casa dos pais – sim
Quando – Quando casei em 1949
Como foi a mudança de casa – Vim morar para Meixedo sozinha com o meu marido.
As minhas coisas ( enxoval)numa caixa de madeira e foi um criado que o trouxe no
carro de bois no dia seguinte. Vim num carro de praça .A principio foi muito difícil.
Estado civil- viúva
Como foi o namoro- Namorava ao portão mas o meu namorado ficava longe de mim .
Os pais estavam sempre a ver. Só se namorava de dia. Namorava também quando ia
levar o leite ao « posto» durante o caminho mas nunca ia sozinha. Também se namorava
nas romarias. Eu nunca dancei com o meu namorado porque ele não sabia dançar. Não
se dava nenhum beijo nem na cara antes de casar. O namorado não podia pôr a mão
numa rapariga « séria».
Como foi o casamento- Foi num Sábado de manhã no dia 30 de Abril de 1949. Fomos
para a igreja à missa do casamento de carro alugado. No fim da missa houve jantar feito
por uma tia. Comeu-se frango e arroz, cozido , carne , bolos feitos num forninho de
lenha que havia na cozinha e arroz doce. Os convidados eram cerca de uma dúzia de
pessoas e a família de casa. No fim do jantar vim para casa do marido de carro alugado
com o meu irmão. Os padrinhos do casamento foram o meu irmão Miguel e a mulher.
Não recebi prendas porque não era tradição.
6- TRAJECTÓRIA PROFISSIONAL/ HISTÓRIAS VIVIDAS NO EMPREGO
Onde trabalha hoje e o que faz- Hoje trato do quintal , da horta e de alguns animais.
Já trabalhou – Até ao ano de 1983 trabalhei pois tínhamos uma mercearia , um moinho
de moer farinha para fora e uma taberna.
Primeiro emprego- – O meu primeiro emprego foi de comerciante .
Como foi para esse emprego – Eu era comerciante porque quando casei o meu marido
já tinha o negócio e precisava da minha ajuda. Um tomava conta da « Venda » ( =
mercearia ) e o outro da parte da taberna. Gostava do que fazia e porquê – Eu gostava
muito do que fazia porque podia ver e falar com muita gente e acompanhar a vida das
pessoas. Os moços de fora da terra paravam na taberna para beber e comer e para saber
coisas das raparigas. Vinham de bicicleta e mais tarde de mota . Na taberna e na
mercearia sabiam-se muitas novidades.
Eu também fazia comida para quem me pedia e cozia broa num forno de lenha para
vender. Cozia uma fornada por dia. Os caçadores comiam muitas vezes na venda.
Também gostava porque pude ajudar alguns vizinhos mais pobres a matar a fome aos
filhos. Ajudei a criar muita gente porque lhes fiava a mercearia, lhes dava do pão que
cozia. Muitos ainda hoje quando me vêem, agradecem o que fiz por eles e pelos pais.
Emprestámos dinheiro a muitos rapazes para irem para a França a salto e a alguns
chefes de família para sustentar a casa. Na taberna algumas pessoas falavam às
escondidas de política no tempo do Salazar. O meu marido era vigiado pela PIDE
porque desconfiavam que ele era anti-regime e isso fazia com que eu estivesse sempre
preocupada quando via aproximar-se da porta alguém desconhecido. Era também na
taberna que havia o jornal que nós comprávamos e que vinha todos os dias na camioneta
do Cura e que era lançado pela janela pelo cobrador . Quem queria vinha lê-lo. No
tempo da guerra havia muita falta de alimentos e havia umas senhas de racionamento
que eram atribuídas às pessoas. As pessoas inscreviam-se na mercearia e conforme o
tamanho da família tinham direito a comprar uma certa quantidade de coisas . Nessa
altura havia muita dificuldade de arranjar milho para cozer o pão e muitas vezes ia-se
buscar escondido de noite às Argas ( freguesias que ficam no interior da serra de
Arga).Na taberna e na mercearia ouvia-se os desabafos das pessoas.
No tempo da extracção de minério em Meixedo, a mercearia era também o local onde
algumas pessoas procuravam vender o minério tirado clandestinamente para fazer
algum dinheiro.
Para além de trabalhar no nosso pequeno comércio também fazia a lida da casa ,
cuidava do filho que vivia connosco e tratava da lavoura porque tínhamos terras e
sempre tivemos gado. Acabámos com o negócio porque os filhos não o quiseram e nós
não podíamos.
Trabalhos diferentes que já teve – A par do comércio só trabalhei na agricultura.
6- ACTUAL / QUOTIDIANO
Com quem mora – de dia moro na minha casa e de noite durmo na casa do meu filho
pois moro em frente da casa dele. Fui eu que escolhi depois da morte do meu marido
continuar a fazer a minha vida na minha casa . Só não durmo nela porque tenho medo.
Dois meios dias por semana tenho uma jornaleira que me ajuda.
Actividade mais importante que faz- Trabalho no quintal ( planto, semeio e cuido de
legumes e flores) trato de galinhas , de um porco e de ovelhas. Apanho comida para os
animais ( apanho erva e hortaliça).
Principais preocupações – a vida dos meus netos e dos meus filhos, a minha saúde e a
morte . Não queria morrer já, mas tenho medo que me aconteça pois já estou nos
noventa anos.
Descrição de um dia da vida diária- Levanto-me todos os dias às 6 h e 45 m. Arranjome e vou para a minha casa por volta das 7 h e 15 m. Abro as galinhas para saírem para
o capoeiro e dou-lhes de comer. Dou de comer aos outros animais na corte. Faço o meu
pequeno almoço ( cevada de cafeteira e pão fresco molhado na cevada) enquanto vejo as
notícias na televisão. Depois vou para o quintal e trato das minhas coisas. Perto do meio
dia faço o almoço para mim e para a minha nora que vem d e trabalhar e às vezes
também para a neta . Enquanto como vejo o telejornal. Depois de comer, se tenho
tempo, durmo uma sesta. De tarde, vou de novo trabalhar para o quintal , cozo roupa e
trato da casa . Ao escurecer torno a comer a minha cevada com pão, e depois de ver um
pouco d e televisão lavo-me, rezo e deito-me. Como durmo no quarto com a minha
neta ela reza comigo e falamos um bocadinho.
O que faz nas horas de lazer- Eu estou parada pouco tempo. De vez em quando tenho
que descansar porque sofro muito da coluna e do coração. Normalmente deito-me a ver
televisão ou durmo um sono. Não gosto de estar muito tempo parada porque senão fico
«engameada»( deixar de andar).Ao Domingo gosto de ir à missa. Também gosto de ir a
algumas romarias ( S. João de Arga, Festas da Agonia, Festa da minha aldeia )
8. ACTUAL/ FAMÍLIA
Filhos – tem dois
Netos – tem cinco
9. AVALIAÇÃO / EXPECTATIVA DA VIDA
Maior desejo -O maior desejo é ter saúde, não ter muitas dores , ir outra vez a Fátima.
O que espera da vida – Nada . Estou com noventa anos e já só espero morrer , mas não
quero.
Maior Qualidade – gostar de ajudar os outros e gostar de trabalhar mesmo com a
minha idade
10- AVALIAÇÃO
– Eu não gosto de lembrar do passado porque naquele tempo as coisas eram tão bonitas
e a gente divertia-se muito. Há muitas coisas que já não me lembro bem.O que melhor
me lembro no meu passado foi o dia em que o meu filho foi para a guerra na Guiné e o
tempo de dois anos que ele lá passou. Foram tempos que ainda hoje me fazem chorar.
– Gostei muito da entrevist

ID

10366

Local

Meixedo

Autor

Catarina Castro

Editor

Biblioteca escolar de Arga e Lima

Género

Entrevista

Produtor

Biblioteca Escolar de Arga e Lima

Tema

Rio Lima

Fonte

Rosa Agonia da Costa Lima

Idioma

Português

Suporte

escrito

Localização

Meixedo

Áudios

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